Garrafadas e coquetelaria: da união improvável, um resultado incrível
Coquetel ainda é algo pouco consumido nos restaurantes e bares brasileiros. Apesar de estar ganhando espaço, especialmente em São Paulo e no Rio, ainda é olhado com desconfiança ("coisa de rico") e certo preconceito ("coisa de mulher"). Conheço muita gente que prefere tomar barris de cerveja industrial sem gosto porque "nem morto paga R$ 30 por um troço que não sabe se vou gostar" – e jamais saberá se não provar…
Eu sou apaixonada por coquetelaria: taí um universo tão fascinante quanto o da gastronomia. Aliás, coquetelaria É gastronomia: um bom bartender entende tanto de combinação de sabores, técnicas e harmonia de ingredientes quanto um cozinheiro, além de precisar conhecer detalhadamente dezenas de destilados, licores, bitters, fermentados, etc.
E aí o bicho pega: conheço poucos profissionais de bar que fazem isso. Que vão à feira e mercados cotidianamente. Que cheiram frutas, provam temperos, levam ingredientes para casa, testam. Salvo raras exceções, ainda oscilamos entre abrir-garrafas/misturar-bebidas e preterir o gosto por uma criatividade psicótica (daí dou razão a quem se nega a pagar uma grana preta por um resultado final medíocre…).
Uma dessas exceções é Neli Pereira: seu trabalho é um mergulho profundo na cultura e história brasileiras e transforma essa imensa carga de informações em coquetéis incríveis. Um copo cheio de líquido e de entrega pessoal.
Conheci Neli há cerca de cinco anos quando fui entrevistada no programa de rádio que ela conduzia diariamente na BandNews FM: Neli é uma jornalista e tanto, com passagens pela Band e BBC, entre outras. Desde aquela época ela já flertava com a universo etílico-gastronômico (leia-se, sempre gostou de comer e beber bem), algo que foi se aprofundou tanto a ponto de fazê-la atirar-se em cursos e pesquisas e, meses depois, sair das redações e abrir seu próprio bar. O Apotecário funciona no andar inferior do Espaço Zebra, galeria de seu marido, o artista plástico Renato Larini, no bairro da Bela Vista, em São Paulo.
O Apotecário é o ápice da paixão de Neli pelas garrafadas – preparos de ervas, cascas, madeiras e raízes infusionados em bebida, usados majoritariamente com fins medicinais em diversas regiões do Brasil -, tema de seu trabalho e de seu livro que será lançado em 2019. A (agora) bartender pesquisa os perfis de sabor de ingredientes tradicionais e esquecidos (como cataia, boldo, catuaba) e seus usos no preparo de coquetéis. Produz no bar, por exemplo, um amaro que leva raiz de jurubeba, paratudo, mastruz e carqueja. Seu Negroni passeia entre a Itália e o nordeste brasileiro: gin nacional, vermute com catuaba e sassafrás e Campari.
O que ela pretende com isso? Servir drinques deliciosos, decerto, mas também resgatar saberes antigos de maneira nova. Abrir dimensões, criar possibilidades. Neli faz algo que considero essencial para nossa identidade nacional: enaltece nossos ingredientes. Eleva-os. Por que se temos algo a nos orgulhar, é de nossa biodiversidade. Somos imensos em sabores – e a coquetelaria pode ser uma bela porta de entrada para essa imensidão.
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