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O fim da crueldade animal na produção de alimentos está em suas mãos

Ailin Aleixo

16/08/2018 09h00

Até começar a visitar produtores e entender da onde vem o que como, não fazia ideia de que a indústria de ovos é uma das mais cruéis do mundo. Comparada a outras produções de alimentos derivados animais para consumo humano – carne e leite -,  eu pensava que a de ovos era a mais tranquila no tocante a bem estar animal por que, afinal, não existe abate. Ledo engano.

No Brasil, galinhas de granjas convencionais vivem em 'baterias': empilhamento de gaiolas nas quais os bichos não tem espaço suficiente para andar ou abrir as asas. Essa vida causa estresse, o que as faz bicar umas as outras. Como se resolve isso? Com debicagem, um processo que consiste em cauterizar a ponta do bico. Para evitar que fiquem doentes com a aglomeração, dá-lhe antibiótico. E ainda tem coisa pior.

Sistema 'de bateria' para criação de galinhas poedeiras: o animal vive por cerca de 18 meses com espaço do tamanho de uma capa de CD, sem poder abrir as asas

Tanto as granjas de frango de corte quanto as de ovos compram "pintinhos de um dia" para popular a criação. Há empresas especializadas nesse segmento, dedicadas a melhoramento genético e reprodução. Para maximizar a produção, há duas vertentes de melhoramento: aves que resultem em corpos com mais carne e aves que coloquem mais ovos. A linhagem de aves voltada para carne usa tanto machos quanto fêmeas – as granjas de corte tem galinhas e frangos. Por motivos óbvios, as granjas de poedeiras só trabalham com fêmeas. O que se faz, então, com os pintinhos machos nascidos da linhagem direcionada às granjas de galinhas poedeiras? São mortos no dia seguinte ao nascimento.

Não, não vão para a granja de galinhas de corte, porque sua genética não "é boa" para carne. Não cresceriam o suficiente, não engordariam o suficiente no tempo necessário e não dariam dinheiro o suficiente.

Como não há legislação específica de bem estar animal para o "descarte", há algumas possibilidades de morte para os pintinhos no momento no qual se determina o sexo:
– São jogados em grandes galões nos quais morrem asfixiados e/ou amassados pelo peso uns dos outros
– São direcionados por esteira até uma sala no qual vão, vivos, para um moedor. Ainda não é comum encontrar produtores que usem gás para desacordá-los.

Galinhas na produção orgânica da Yamaguishi: a vida que pouquíssimas podem ter

O destino final de todos é serem transformados em "farinha de aves", presente em praticamente todas as rações para gatos e cachorros (para evitar esse fim horrendo dos pintinhos machos da linhagem de poedeiras, a Korin está desenvolvendo um trabalho de pesquisa a fim de criar genética que possa tanto ser usada para obter carne quanto para colocar ovos). Sendo forte e querendo VER como isso acontece, clique AQUI.

Mas voltando ao sistema de bateria, o mais comum no Brasil mas que já é banido na União Europeia, entre tantos outros países: a galinha, nesse sistema, vive por cerca de 18 meses em um gaiola com espaço do tamanho de uma capa de CD (as dimensões minúsculas servem tanto para empilhar mais animais por metro quadrado quanto para economizar comida, visto que um bicho que não se mexe não consome energia), sem poder abrir as asas ou dar uma volta em torno do próprio eixo. Ali, seus dias são comer, evacuar e botar ovos com as patas em contato direto com as grades da gaiola: em muitas não há nem um piso nivelador.

Por conta da crescente pressão dos consumidores e de ONGs de bem estar-animal, o Carrefour Brasil, nesta semana, firmou um compromisso público de vender apenas de ovos de produção livre de gaiolas até 2025, em suas marcas próprias, e até 2028, nas demais marcas.

Sim, ainda demora. Mas isso mostra que a força do consumidor pode mover indústrias rumo a melhores padrões. Me dá uma ponta de esperança saber que algumas centenas de milhares das 91,2 milhões de galinhas existentes em granjas de ovos  no Brasil podem ter existência digna e, com isso, produzir alimentos sãos: eu creio que seja impossível um animal de vida miserável produzir alimento que seja benéfico pra quem consome.

Sobre a autora

Ailin Aleixo é jornalista, e criadora do mais influente site de gastronomia e turismo gastronômico do país (Gastrolândia) e do canal de jornalismo gastronômico no YouTube, #ptdk. Ocupou o cargo de editora-executiva das revistas VIP, Viagem e Turismo, Playboy e Alfa. Desenvolveu o projeto editorial do roteiro de gastronomia da revista Época São Paulo (2007). Apresentou boletim diário sobre gastronomia nas rádios CBN (2008) e AlphaFM (entre 2015 e 2016). É curadora do FOOD FORUM, o maior fórum sobre comida do Brasil, e palestrante.

Sobre o blog

Foodie-se não é um blog de tendências gastronômicas.Nem de crítica de restaurantes.Nem de novidades, nem de prêmios.Foodie-se é um blog sobre comida e toda sua cadeia: campo, fábrica, pequenos produtores, grandes produtores, bares, restaurantes, animais, plantas, orgânicos, convencionais, chefs de cozinha...

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