Brasil, um grande self-service de agrotóxicos
Nos últimos meses, muita gente vem comentando o PL do Veneno. Cozinheiros, cientistas, ONGS e até a ANVISA se colocaram publicamente contra o Projeto de Lei 6.299, apresentado pela bancada ruralista, que altera as regras para aprovação, uso e publicidade de agrotóxicos no país.
Mas, afinal, por que tanto alvoroço?
Porque o negócio é grave. Bem grave.
Para explicar de forma didática o PL, fiz o vídeo abaixo para meu canal de YouTube, o #ptdk. Há poucos dias, outras excelentes reportagens sobre o tema foram publicadas pelo Observatório do Clima e pela Folha de São Paulo, num esforço para tornar claro para a população o que está sendo empurrado goela abaixo dos brasileiros.
Os principais itens que o PL do Veneno pretende aprovar são:
- Mudar o nome de "agrotóxicos" para 'defensivos fitossanitários'. Com isso, a intenção é aumentar a aceitação aos agrotóxicos e enganar a população com a alteração da nomenclatura.
- Alterar o método de aprovação de novos agrotóxicos. Atualmente, para um agrotóxico ser autorizado, é preciso passar pela validação do IBAMA (meio ambiente), da ANVISA (saúde humana) e do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (agricultura). O PL quer criar a Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito), sujeita ao Ministério da Agricultura, que terá a palavra final sobre as aprovações. IBAMA, Anvisa e MAPA terão assento na CTNFito, mas não terão poder de veto.
- Proibir apenas substâncias que tenham "risco inaceitável à saúde humana". Não fica claro quem ou qual órgão avaliará o que é aceitável ou não. Câncer é aceitável? Doenças generativas são aceitáveis? Deformações a fetos são aceitáveis?
- Retirar a obrigatoriedade atual de expedição de receituário por parte de um engenheiro agrônomo para aplicação de agrotóxico. Havendo liberação para utilização sem receituário, ficará a critério de quem vai aplicar o agrotóxico como, quando e onde fazê-lo. Se não se coloca a responsabilidade sobre um ser humano, seja ele quem for, quem pagará juridicamente no caso de contaminação ambiental ou problemas de saúde decorrentes do uso destas substâncias?
Se aprovado, o PL tornará ainda mais aviltante o já complicadíssimo cenário atual brasileiro no tocante a uso de pesticidas, herbicidas, acaricidas e demais substâncias aplicadas na produção de alimentos
No final do ano passado, a Professora Doutora em Geografia Agrária pela USP, Larissa Mies Bombardi, publicou o mais completo estudo já feito sobre o assunto no país, o Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil, resultado de dois pós-doutorados e da análise de dados provenientes de diversos órgãos governamentais e não-governamentais brasileiros referentes ao período entre 2007 e 2014.
O que Atlas aponta é: enquanto assistimos ao comerciais "Agro é Pop" e nos orgulhamos de ser o 'celeiro do mundo' estamos sendo envenenados através do ar, da terra, da água e da comida. Em níveis assustadores e cada vez maiores.
"O problema das análises de resíduos de agrotóxicos no Brasil é que, mesmo se apresentando dentro do limite, o limite é altíssimo", diz Larissa."Quando existe o registro de um ingrediente ativo diante da Anvisa, quem apresenta os estudos científicos sobre ele é a própria indústria. Não existe averiguação por parte do governo, a não ser quando há um processo de reavaliação do princípio ativo por conta da pressão da sociedade civil ou da comunidade científica. Uma vez registrado, a licença não vence. É ad eternum", explica.
Para ter uma ideia do que já acontece no Brasil, SEM PL DO VENENO, o que nos exporia ainda mais a essas substâncias:
- A lei brasileira permite 5 mil vezes mais resíduo de glifosato na água potável do que a União Europeia. Glifosato é o agrotóxico campeão de vendas no planeta e, segundo recorrentes pesquisas, "potencialmente carcinogênico e alterador da estrutura do DNA".
- No nosso país, o feijão pode ter 400 vezes mais resíduos de Malationa do que na UE. Malationa, o terceiro princípio ativo de agrotóxicos mais vendidos no Brasil, apresentou 'alta neurotoxidade' em diversas pesquisas científicas.
- O uso de agrotóxico no Brasil saltou de 170 mil toneladas no ano 2000 para 500 mil toneladas em 2014, um aumento de 135%.
- Dos 504 ingredientes ativos presentes nos agrotóxicos permitidos por lei no Brasil, 149 são proibidos na União Europeia. Entre os 10 mais vendidos por aqui, 2 são proibidos na UE.
- No Brasil, são autorizados 150 diferentes agrotóxicos para o cultivo da soja (35 proibidos pela UE); 116 para o cultivo de cítricos (33 proibidos na UE); 121 pra café (30 proibidos pela UE).
- A malationa acaba de ser regulamentada como parte do "fumacê", pulverização em áreas urbanas para o controle da dengue. Ou seja: será jogado em nossas cabeças.
- Em nosso país, a água POTÁVEL pode conter até 300 vezes mais 2,4- D, derivado do Agente Laranja, do que na União europeia. Esse ingrediente pode causar desregulação endócrina, perturbações nas funções reprodutivas, alterações genéticas , efeitos cancerígenos e o desenvolvimento da doença neurodegenerativa de Parkinson.
"Com qual parâmetro se estabelece que a quantidade de resíduos tolerável à saúde humana em um país possa ser 250 ou 400 vezes maior do que em outros? Evidentemente temos como resposta o lugar do Brasil e da América Latina neste pacto da economia mundializada. Na geografia desigual do uso e dos impactos dos agrotóxicos temos uma parcela da humanidade que literalmente, no cotidiano de suas vidas, vale menos, está alijada do Direito Humano mais essencial que é o próprio direito à vida", afirma Larissa.
Esse PL já foi rechaçado até pela ONU, que o considerou 'Uma ameaça a uma série de direitos humanos'. Mas parece que a bancada ruralista não vê problema algum… Nós, a população, deveríamos não só enxergar o problema, como agir veementemente para combatê-lo, por uma simples razão: todos estamos expostos aos seus efeitos.
⇒ A petição online CHEGA DE AGROTÓXICOS já conta com mais de 1 milhão de assinaturas – porém ainda é pouco para pressionar o governo. Querendo assinar, clique AQUI ⇐
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