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Sustentável é o novo gourmet

Ailin Aleixo

20/06/2018 15h34

Do imperdível brunch da Enoteca Saint VinSaint: frigideira de ovos caipiras em molho de tomate com ora-pro-nóbis e major gomes (R$ 25)

No mundo gastronômico, está na moda falar em sustentabilidade. Por um lado, é ótimo: precisamos MESMO ter noção da onde vem e como é produzida nossa comida para podermos fazer escolhas conscientes. Por outro lado, porém, isso se tornou um cacoete pseudohispter: a maior parte das pessoas, inclusive aquelas que dizem ter estabelecimentos sustentáveis, não sabem do que sustentabilidade se trata.

Sustentável é o novo gourmet.

Do menu sazonal do Corrutela: porcini brasileiro com semente de girassol em creme de leite e azeite de algas

Restaurantes, lanchonetes, bares e afins são, em seu cerne, nada sustentáveis: há perda de insumos em cada pré-preparo (colocar no padrão da cozinha, usar apenas uma parte dos legumes e verduras…),  desperdício de comida (o que sobra nos pratos, o que foi feito porém não vendido…), grande uso de água, menus que utilizam os mesmos ingredientes o ano todo (e quando não se segue a sazonalidade, o mundo vegetal precisa de muito mais água/hora-homem e, muitas vezes, agrotóxicos para crescer), grande produção de lixo… e a lista segue.

O sensacional pão do Corrutela: o trigo, orgânico e proveniente de uma cooperativa no Sul do Brasil, é moído no moinho de pedra do restaurante

Então como tornar um restaurante menos insustentável? Aí é que entra a trabalheira. Uma imensa e louvável trabalheira.

Para ostentar esse 'título', o estabelecimento teria que comprar a maior parte dos insumos de pequenos produtores locais (o que evita grandes trajetos de caminhão/avião e ajuda a economia da região), primar por ingredientes orgânicos (com ou sem selo) ou com o mínimo uso de defensivos (que, como sabemos, envenenam terra, rios, mares e pessoas), oferecer poucos alimentos de origem animal (para entender a razão, clique aqui) e, quando oferecer, que sejam provenientes de animais criados soltos (bem estar animal está intimamente ligado a sustentabilidade), ter composteira de lixo orgânico, disponibilizar água filtrada para os clientes (você já imaginou a quantidade de água usada para a produção de cada garrafa de plástico? Isso sem contar a poluição gerada por elas)… e a lista segue.

Ou seja: muita gente diz fazer e quase ninguém faz de fato.

Leite de coco com cacau e leite de vaca com cúrcuma, gengibre e mel e vinhos naturais (entre R$ 10 e R4 15 a taça): algumas das opções de bebidas do brunch da Enoteca

Diz fazer porque, sim, pensar no impacto global da cadeia de produção e distribuição de alimento é crucial. Quase ninguém faz porque é uma atividade desgastante, diária e é preciso talento: criar dezenas pratos, todos os anos, usando os ingredientes disponíveis em cada época é desafiador e tira muito cozinheiro da doce zona de conforto tomate-filé mignon-salmão-abobrinha.

Dois restaurantes, ambos em São Paulo, merecem todo meu respeito em se tratando de levar o conceito e prática de sustentabilidade para a gastronomia: Enoteca Saint VinSaint e Corrutela. Um, acabou de fazer dez anos.
O outro, acaba de ser inaugurado.

O milho usado no Corrutela é de produtor biodinâmico, moído na casa e serve de sabe para pratos primorosos como esse Bolo molhado de milho e coco queimado

Sob o comando da nutricionista e sommeliére Lis Cereja, a Enoteca tem carta exclusiva de vinhos naturais (ela é uma das maiores especialistas no tema no Brasil), 100% dos ingredientes são orgânicos e sazonais – muitos deles, como ovos, verduras e leite de cabra produzimos em sua chácara -, o desperdício zero é um alvo constante (há pão, por exemplo, que leva borra de café e o nhoque de abóbora usa casca, polpa e sementes) e grande parte do que é servido vem do reino vegetal. Para tirar qualquer dúvida dos clientes, um quadro, bem no meio do salão, expõe o nome de cada item com o seu devido produtor.

O balcão de doces da Enoteca traz novas receitas todos os sábados. Aqui, bolinho de fubá com ricota feita na casa e brownie de cacau

O novíssimo Corrutela, com o chef Cesar Costa a frente da cozinha e do conceito, tem seu próprio moinho de trigo, cacau e milho, que se transformam em pães fragrantes e primorosos, chocolate usado nas sobremesas e polenta que mantém a alma do grão. O cardápio tem itens alterados semanalmente, de acordo com a oferta de insumos. Todo o lixo orgânico da cozinha vai para uma composteira exposta no salão. Os fornecedores são, em sua maioria, pequenos e, muitos, orgânicos.

Salão do novo Corrutela: sustentabilidade, ali, não é só papo

E ambos os restaurantes tem algo essencial: ótima comida.

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Sobre a autora

Ailin Aleixo é jornalista, e criadora do mais influente site de gastronomia e turismo gastronômico do país (Gastrolândia) e do canal de jornalismo gastronômico no YouTube, #ptdk. Ocupou o cargo de editora-executiva das revistas VIP, Viagem e Turismo, Playboy e Alfa. Desenvolveu o projeto editorial do roteiro de gastronomia da revista Época São Paulo (2007). Apresentou boletim diário sobre gastronomia nas rádios CBN (2008) e AlphaFM (entre 2015 e 2016). É curadora do FOOD FORUM, o maior fórum sobre comida do Brasil, e palestrante.

Sobre o blog

Foodie-se não é um blog de tendências gastronômicas.Nem de crítica de restaurantes.Nem de novidades, nem de prêmios.Foodie-se é um blog sobre comida e toda sua cadeia: campo, fábrica, pequenos produtores, grandes produtores, bares, restaurantes, animais, plantas, orgânicos, convencionais, chefs de cozinha...

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